quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Carta Informal de Um Historiador


Só de pensar que eu deixarei vocês, que andarei depois sozinho nessa jornada da vida, sem poder compartilhar as coisas boas e ruins que vivi, assim como fora esses quatro anos, já me angustia.

Mais do que amigos, mais do que irmãos, vocês são pessoas que aprendi muito, que me apoiaram, que me fizeram acreditar que essa jornada é possível. Não é fácil estudar História, digo com toda certeza e sem humildade, imbecis daqueles que acham que o estudo e o curso de História é curiosidade, é hobby, é diversão. Quem estuda, vê, se indaga, enxerga aquilo que nós foscamente vimos, se assusta com o mundo que antes não enxergava. A religião cai, os sonhos mudam, as idéias se transformam, as coisas que eram insignificantes no seu dia a dia, se transformam em coisas importantes, conectadas, no tempo, no espaço, nos sistemas, nas intenções. Por isso que somos chamados de loucos, por isso que somos estranhos, e somos mesmo, porque aqueles que verem aquilo que nós vimos, descobrirem, compreenderem, interpretarem aquilo que chegamos a estudar, eu garanto, nunca mais voltarão ao normal. Ser um estudioso da História é ter a memória de vários, é como se fosse uma mente onipresente, que percorre tempos, eras, estágios, teias. E sabe qual é a coisa mais triste de um historiador? É que nós todos temos uma consciência de que estudaremos a vida toda, e morreremos com a sensação de que não sabemos nada, e de fato, não sabemos nada. Nossas mentes sempre estarão em um turbilhão de análises, de compreensões, de ligações e contestações. E o pior, temos que ficar quietos e pensantes, porque só quem gosta de discutir termos e conceitos e loucuras de um historiador é outro historiador. Falar de História horas e horas é legal pra outro louco que também gosta de falar, horas e horas de História, ou seja, você que se formou ou está para se formar em História, você é chato pra cacete pros outros viu, quando começa com papinhos de História. Ninguém mais quer ouvir suas teorias e pensamentos de História por mais de 10 minutos e olha lá.

Sabe o que é engraçado em historiadores quando saem juntos? É que mesmo sentandos num bar bebendo, se alguém xinga, por exemplo “filha da puta”, os historiadores conseguem descobrir não só quem é a mãe da menina, como a família, e porque a mãe virou puta. É assustador, e dali vão discutindo de onde vieram as putas, indo pra lá de Sodoma e Gomorra, até chegar no cancan moderno da França.

Nós não cremos mais no mundo que outros acreditam existir, nós estamos desconectados da Matrix fazendo escavações de fósseis, dos prédios, dos livros, tentando entender a cultura, a mentalidade, ou a prática econômica dos mortos. E pra quê? No fundo todo historiador quer entender a si próprio, um pouco do seu mundo presente, e cava o passado com as pás modernas de hoje. O problema que História é uma areia movediça, quanto mais você meche mais afunda. Ou seja, somos todos uns bandos de atolados, que preferem viver se afundando na terra do que ficar se rastejando.

Do mesmo modo que um médico é apto a diagnosticar e tratar as doenças, o historiador é apto a analisar e a explicar a História. Não é hobby!

PS.: Dedico com brincadeira, mas também com muito carinho para meus grandes amigos que fiz nessa luta de quatro anos da graduação que está chegando ao fim: Fabio, Fabrício, Bruno, Ariane, Ricardo, Matheus, Thaís, Marco Antônio. Todos vocês são meus amigos para sempre...
                                                                             
                                                                    Nós venceremos!

5 comentários:

  1. Caramba o_o

    Tudo verdade... simplesmente.

    E a nossa caminhada em Franca vai chegando ao fim e entrando pra HISTÓRIA também...

    Mas a matéria-prima da História é a memória, e não me esquecerei das memórias geradas pelos momentos prazerosos e de aprendizado que passei com vocês por aqui.

    Isso é insubistituível.

    Quem dera todos pudessem ter seus olhos abertos também, mas o processo é doloroso e as pessoas não aceitam bem aqueles que se libertaram. É como na Caverna de Platão. Ou, apesar de ser um livro tendencioso e torpe (você sabe meus problemas com ele), na Bíblia. Jeová insistiu pra Adão não ir provar do fruto do conhecimento, não abrir seus olhos, e quando abriu... perdeu o Paraíso. O Paraíso que constitui o "não saber", o doce néctar dos ignorantes.

    Mas nós escolhemos provar do fruto e, como professores, fazer várias caixas dele e vender na feira. Nós aprendemos muito, desenvolvemos grande conhecimento e agora iremos difundi-lo nas salas de aula. Mais que historiadores, somos professores. E pra mim não há profissão mais nobre que esta. Podem criticar, ter pena de quem a segue, mas vivem invocando os liceus gregos de outrora quando começam a louvar os distantes pilares desta civilização ocidental... Pois é.

    Além do diploma e da babagem, ficam as amizades. E elas realmente entram pras nuances históricas =)

    Abraços.

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  2. Nossa que lindo teu texto!
    Se alguém opta por estudar história, e acha que vai ser um hobby então não está levando a sério. Porque quando se leva a sério, você vai além, e esses são os que se tornam excelente profissionais.
    Adorei essa parte "...somos todos uns bandos de atolados, que preferem viver se afundando na terra do que ficar se rastejando"...
    O final "Nós venceremos" me lembrou muito quando me formei, na colação de grau eu fui a oradora e quando fui falar a frase "Vamos vencer" eu chorei...rs...
    Beijos, visitando...

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  3. É meu amigo, História não é brincadeira!

    Entrei para o curso pensando em "complementar" meu curso de jornalismo e o que aconteceu? Me tornei um fissurado por essa ciência (sim, História é ciência, hoje tenho certeza), de modo que já não mais consigo me desvencilhar. Me é impossível olhar para o mundo sem fazer zilhões de conexões com datas, períodos, fatos e eventos passados e que se materializam a cada instância de meu cotidiano.
    De um tempo pra cá e cada vez mais a História se tornou um problema para mim, realmente as pessoas não conseguem nos ouvir por mais de dez minutos sobre História, e aí? O que faço com todos os meus amigos que não são historiadores? Como falar de outra coisa que não seja História se eu a noto em cada detalhe? E pior ainda, nos últimos tempos cada vez que me afasto um pouco da História parece que o assunto se torna fútil e superficial! Será que estou me tornando realmente um bitolado como diz seu texto Jairo?

    Sim, amigos, nós venceremos!

    RRAAAAUUUUUULLLLLLLL!!!!!!!!!!!!!!!
    RRAAAAUUUUUULLLLLLLL!!!!!!!!!!!!!!!
    (não sei se deu pra entender, mas essas duas orações "interjeitivas" acima eram pra ser como os gritos dos espartanos - como no 300 - antes da batalha!)

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  4. Nossa...

    Receio que tenho muitas coisas pra falar sobre esse texto.

    Realmente nossa mente e percepção muda muito depois de fazer o curso de história (ou quase, afinal não terminamos ainda).
    Essa nova percepção nos faz relativizar tudo de uma madeira muitas vezes chata e algumas vezes sem sentido, mas é o nosso ofício afinal.
    Por isso somos chatos, pois sabemos que nem tudo e da forma que nos aparece e existem muito mais cores do que o branco e o preto!
    Esse é um caminho sem volta e como eu já escrevi em um conto meu, a alienação é por muitas vezes uma benção. Não podemos voltar mais a aquela vidinha de trabalho dia todo e voltar para ver novela, isso não é mais o suficiente.
    Um caminho sem volta, pois “a partir daqui, mesmo que você queira, não irá mais conseguir viver no mundo com as outras pessoas, pois o véu que cobria seus olhos será retirado.”
    Exagerado, mas de certa forma mostra nossas frustrações em falar sobre História com alguém que não é exatamente historiador.
    Somos chatos, eu assumo isso, mas por amar demais o que fazemos e isso é raro hoje em dia, pois afinal, não estamos fazendo o curso da moda.

    Achei brilhante a forma como você, Juninho, relacionou isso ao fato de que no próximo ano cada um irá para sua casa e continuará sua vida separado dos demais. Isso étriste e essa angústia tem ficado comigo esse ano inteiro e o pior é saber que realmente nunca mais vou ver algumas das pessoas que me foram tão especiais...
    Acho que ainda não estou pronto para falar sobre isso!

    No fim, adorei o texto e concordo muito com os que comentaram antes de mim escreveram...

    Sim, estamos em uma ciência complexa e ao mesmo tempo fascinante!
    Devemos levar a História a sério, pois apenas assim possamos saber e falar o quanto ela é importante para a sociedade.
    E claro, como historiadores podemos dizer verdadeiramente que o tempo que passamos juntos será totalmente insubstituível!

    Abraços a todos e parabéns ao Juninho!

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  5. Muito obrigado a todos vcs que estão comentário, li todos com muita atenção e adorei, de verdade, o que vcs disseram. Desculpe minha ausencia esses dias e a demora para responder tbm! ^^

    Deixo aqui as boas vindas para a Dani Brito, pode visitar sempre, sempre será uma honra ter seus comentários, adorei, e muito obrigado! Que bom que te trouxe boas recordações, e realmente, quem opta por levar a sério faz o curso com uma visão crítica e se empenha, e como disse a História transforma nossas mentes!

    E já é uma honra e um prestígio ter aqui os velhos companheiros, Fabio, Fabrício e Matheus, vcs sempre dedicados, espero estar correspondendo a altura, hehe...

    kkkk... é Matheus acho que vc está se tornando não um bitolado mas um historiador e professor de História, um estudioso. Entendo bem essa frustração sua, causa muito isso, estamos cada vez mais calados pq muitos não querem ficar ouvindo nossas conexões e teorias históricas ou percepções, somente dentro de sala de aula e olha lá, e isso é coisa que fazemos no dia a dia, a qualquer momento. História te empurra pra fora da Matrix kkk...

    É Fabrício, bem lembrado sobre a Caverna de Platão, ela diz muito, e já faz tanto tempo que ele entendeu isso né, e a humanidade não seguiu muito Platão não, somente uns poucos gatos pingados. Eu aprendi e aprendo muito com vcs viu,
    e tenho muito orgulho de ter conhecido e convivido com vcs aqui em Franca, vao deixar saudades demais. Mas nós vamos em frente e quero perder ninguém de vista viu, ^^

    Fabio vc realmente disse tudo ai, somos chatos pq isso é o nosso oficio, e nao vemos as coisas no preto e branco. De fato é bem isso, não temos como voltar mais atrás, agora é aguentar nossas mentes pensantes e tentar manter a sanidade, é sério senão a gente fica depre, frustrado ou quase louco com esse mundo. Mas iremos todos tentar mostrar um pouco do que o assexuado Humanidade deixou de memória para nós!

    Adorei todos os comentários!

    Muito obrigado mesmo!

    Forte abraço pra todos! ^^

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